segunda-feira, 15 de junho de 2015

Entrevistas

O que significará hoje uma nova entrevista com Eduardo Lourenço no contexto da sua obra tão vasta? Obra essa que, aliás, integra já inúmeras entrevistas que, pelo menos desde 1969 – ano em que Serafim Ferreira publica “A actual literatura portuguesa possui uma excepcional vitalidade”, no Suplemento Literário de Jornal de Notícias (24/XII/1969, pp. 17-18) – o ensaísta tem vindo a conceder para livros, jornais, revistas ou mesmo para programas de rádio e de televisão. Nesta tão extensa dimensão da obra de Eduardo Lourenço, é possível encontrar, como é evidente, textos de natureza muito diversa. Há tentativas que alguns leitores considerarão notoriamente falhadas e outras há que podem (se calhar, devem) ser consideradas peças imprescindíveis para a compreensão da obra do autor de Heterodoxias. A este último grupo pertencem, sem dúvida, entrevistas como, por exemplo e sem qualquer preocupação de exaustividade: “As confissões de um místico sem fé”, por Diogo Pires Aurélio (Prelo–Revista da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, nº especial, Maio de 1984, pp. 7-16), “Tudo me é pretexto para falar de mim”, por Inês Pedrosa (Jornal de Letras, Artes e Ideias, 6/XII/1986, pp. 2-6), “Um heterodoxo confessa-se”, por Vicente Jorge Silva e Francisco Belard (Revista de Expresso, 16/I/1988, pp. 24-31) ou Cultura e política na época marcelista, entrevista de Mário Mesquita (Lisboa, Edições Cosmos, 1996 [1972]). A profundidade e a riqueza destas conversas publicadas, bem como o facto de serem textos constantemente citados, fazem destas entrevistas elementos decisivos do pensamento de Eduardo Lourenço. Mas o mesmo seria possível dizer acerca de outras entrevistas, como as realizadas por Clara Ferreira Alves, Osvaldo Manuel Silvestre, António Guerreiro, Adelino Gomes, Luís Osório, Luís Trindade, José Carlos de Vasconcelos, Carlos Câmara Leme, Luís Miguel Queirós, José Mário Silva, Rui Moreira Leite, Luís Machado, Anabela Mota Ribeiro, Teresa de Sousa, Carlos Vaz Marques, Maria João Seixas ou Valdemar Cruz. Em suma, entrevistas! Eis certamente o que não falta para quem quiser ler um Eduardo Lourenço conversado.
Ora, nos últimos dias, Ler Eduardo Lourenço tomou conhecimento de três novas e extensas entrevistas, todas elas resultando de conversas demoradas com o ensaísta. Assim, na passada quarta-feira, a RTP transmitiu uma Grande Entrevista, programa da responsabilidade do jornalista Vitor Gonçalves. Durante cerca de uma hora, Eduardo Lourenço conversou sobre os mais diversos assuntos, tendo o entrevistador insistido sobretudo em aspectos biográficos do ensaísta, estratégia que se pode discutir, mas que acaba por ser compreensível porque importa reconhecer que nem sempre o discurso do entrevistado se revela tão luminoso no meio televisivo como no território da escrita. E, de facto, acaba por ser uma hora de televisão muito bem passada, como se pode comprovar neste endereço: http://www.rtp.pt/play/p1718/grande-entrevista.
Sessão de lançamento da revista Suroeste, na passada quinta-feira na Fundação José Saramago em Lisboa. Na primeira fila, reconhece-se, de costas, Eduardo Lourenço (foto página facebook da Fundação José Saramago)
foto Ler Eduardo Lourenço






































As duas outras entrevistas foram impressas. A primeira no número cinco (lançado há dias em Lisboa, na Fundação José Saramago) de uma curiosa aventura que é Suroeste, revista de Badajoz dedicada às literaturas ibéricas. Trata-se de “Soy una persona que llega al final de la vida e no sabe más que lo que sabia cuando era muchacho”, texto assinado por Luis Sáez Delgado (Suroeste, nº 5, 2015, pp. 188-196) que consegue a improvável façanha de acrescentar bastantes coisas a todas as entrevistas anteriores de Eduardo Lourenço. Mérito do entrevistado? Sem dúvida, pois conversar com o ensaísta é sempre uma experiência refrescante, tal a vivacidade e a curiosidade infatigáveis que, quase sempre, Eduardo Lourenço, apesar dos seus noventa e dois anos, continua a exibir. E naquele dia de agosto do ano passado em Lisboa, o autor de Pessoa Revisitado estava sem dúvida em plena forma. Mas mérito também inegavelmente do entrevistador que, para além de revelar uma rara capacidade de escuta – talvez o segredo da entrevista resida mais em ouvir o que o entrevistado diz do que em arrancar-lhe as respostas que se pretende que ele dê –, denuncia um vasto e profundo conhecimento do pensamento e da figura de Eduardo Lourenço. “Soy una persona que llega…” não é apenas uma introdução de Eduardo Lourenço ao leitor ibérico – e só isso já não seria, obviamente, pouco… – mas é, desde já, um elemento insubstituível na fascinante deriva sem fim que é a obra do ensaísta português.
Não menos significativa é a recentíssima obra de Ana Nascimento Piedade Em Diálogo com Eduardo Lourenço (Gradiva, 2015) e cujo lançamento lisboeta se realiza esta tarde no Centro Nacional de Cultura. Trata-se de um livro de duzentas e sessenta e nove páginas que transcreve um diálogo realizado entre ambos em Vence entre dois e seis de Abril de 2007 e que, só agora, Ana Nascimento Piedade pôde passar a livro. Ora, é neste passar a livro que talvez surjam algumas das maiores dificuldades do projecto. Claro que a autora admite que «foi necessário eliminar e/ou adaptar uma soma considerável de traços de oralidade» (p. 9) e também acrescenta «que as provas de todo o texto que compõe o livro foram integralmente revistas pelo Professor Eduardo Lourenço» (ibid.). Mas a verdade é que o leitor do livro sente algum incómodo com «as inúmeras marcas de oralidade do texto» (ibid.) e a (nem sempre muito atenta) revisão do texto não garante amiúde que o pensamento de Eduardo Lourenço seja expresso com a clareza necessária, dificultando assim uma das possíveis tarefas do volume: apresentar a obra de Eduardo Lourenço a quem nunca tenha lido uma linha do ensaísta. Por outro lado, quem já conhece parte significativa dos livros de Eduardo Lourenço sente algum desapontamento com este Em Diálogo com… À parte as deliciosas páginas consagradas a Dom Quixote (pp. 145-150), um belo poema inédito inspirado numa cantata de Bach (pp. 232-233) e a não totalmente desconhecida estória sobre o pai de Júlio Diniz (contada pelo… pai de Eduardo Lourenço!) (153-155), poucas novidades importantes aí se podem encontrar acerca do autor de Fernando Rei da Nossa Baviera. O que, naturalmente, é uma pena.
E, no entanto, há certas frases de Eduardo Lourenço que, só por si, parecem justificar todos os livros. Por exemplo, esta: «A poesia é fundamentalmente jogo. É um jogo superior, mas é jogo, enquanto a intenção de um discurso historiográfico, de um discurso de uma crónica, da ficção, no sentido tradicional do termo, é contar qualquer coisa em que é essencial perceber o que está antes, o que está depois e o que vem a seguir. Portanto, a poesia liberta-se ou pode libertar-se dessa espécie de código no nosso relacionamento realmente com o tempo. É por isso que eu lhe dou tanta importância» (p. 131).