quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Casanova, John Malkovich e... Fanny Ardant!

Ler Eduardo Lourenço é obrigado a confessar-se permanentemente derrotado. A tarefa de reunir todos os textos de (ou atribuídos a) Eduardo Lourenço é sísifica, pois a todo o momento e oriundos das circunstâncias mais inesperadas surgem novos escritos que tornam qualquer lista inevitavelmente incompleta. É o caso daquela que os visitantes deste blog podem encontrar em http://www.eduardolourenco.uevora.pt/bibliografia.
Mas outra questão cruza-se com aquela: o que considerar como texto de Eduardo Lourenço, para além daqueles que vêm com a sua explícita assinatura? Uma declaração citada por outro autor é ainda texto de Eduardo Lourenço? Uma frase que lhe é atribuída pode, com exactidão irrefutável, fazer parte das suas obras completas?
A pretexto da estreia, na semana passada, do filme de Michael Sturminger Variações de Casanova, apresentam-se hoje aqui dois exemplos de textos com um estatuto, pelo menos, híbrido.
No sábado passado, numa página de publicidade do Diário de Notícias, aparece um cartaz do filme produzido por Paulo Branco (cujo trailer da versão americana a estrear já em 2015 se reproduz em baixo) e que vem acompanhado de vários depoimentos prestados por Jorge Vaz de Carvalho, Pilar del Río, António Bagão Félix, Rui Vieira Nery e... Eduardo Lourenço. É este último que a seguir se reproduz:
«Nunca vi um filme tão interessante com um enquadramento a partir da nossa Ópera [Teatro Nacional de S. Carlos]. As primeiras cenas são da entrada dos lisboetas para assistir a um espectáculo, a própria evocação do destino de Casanova. Já isto é uma coisa extraordinária, não só em si, mas pelo facto de uma das grandes realidades culturais do nosso país desde o século XVIII ser promovida, assim de repente, ao estatuto de um Sancarlo de Nápoles, ou de um La Scala, de Milão. Esteticamente é um filme que se impõe. Além do mais conta com um actor extraordinário. Penso que de todas as evocações que se fizeram do Casanova nenhuma foi tão profunda, tão provocante e tão shakesperiana como esta de John Malkovich.»
O tom desprendidamente coloquial do parágrafo faz supor que se trata da transcrição de um depoimento oral, mas a verdade é que, mesmo assim, constitui um comentário com inegável interesse, embora coloque, pelo menos, um problema de erudição académica: Como citar este texto? Será que a indicação da página 41 da edição de 6 de Dezembro de 2014 do Diário de Notícias reproduz uma informação cientificamente rigorosa? Pouco importa. Pelo menos este texto de Eduardo Lourenço desperta a curiosidade pelo filme de Sturminger, protagonizado por Malkovich e... Fanny Ardant.
Ainda que de modo indirecto, a actriz Fanny Ardant comparece curiosamente no segundo excerto que hoje aqui se reproduz e que, de resto, talvez ainda levante maiores dificuldades ao estudioso da obra de Eduardo Lourenço. Trata-se de uma citação de um escrito que Eduardo Prado Coelho terá publicado numa das suas crónicas jornalísticas e que a seguir se transcreve:
«Houve uma época em que, devido a um certo circuito de amizade, ia regularmente ao Frágil. Lembro-me de um dia ter levado ao Frágil o Eduardo Lourenço, que ficou atordoado com o barulho e a dificuldade em conversar. Apresentei-lhe a Paula Guedes e ele, confundindo-a com a crítica literária Estela Guedes, começou a falar de literatura. Quando dei pela confusão, gritei-lhe ao ouvido: “É a Paula Guedes”. E ele, percebendo “Manuela Moura Guedes”, mudou a conversa para a televisão. Voltei a gritar-lhe: “É a Paula Guedes, actriz”. Ao que ele me respondeu: “Então colocam-me uma Fanny Ardant à frente e querem que eu raciocine?”».
Ler Eduardo Lourenço não conseguiu até agora descortinar qual a data e o local em que este relato de Eduardo Prado Coelho foi dado à estampa. Resta-lhe assim agradecer à mão amiga e muito atenta que lhe fez chegar esta espécie de quase-texto de Eduardo Lourenço. E, já agora, como será adequado citá-lo? Pelo menos provisoriamente, talvez baste indicar apud facebook...