quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Não apenas mais uma entrevista...ou onde se fala do Brasil, da Itália e de Patrice Chéreau!



Acaba de aparecer nos escaparates das livrarias mais um livro de Eduardo Lourenço. Ou talvez melhor: um livro com Eduardo Lourenço. Na verdade, trata-se de uma extensa entrevista que José Jorge Letria realizou com o ensaísta a 20 de Fevereiro de 2011, ou seja, um dia antes de este ser distinguido com o Prémio Vida e Carreira pela Sociedade Portuguesa de Autores, instituição de que Letria é o Presidente. Compreende-se por isso o tom (excessivamente?) laudatório do livro que constitui, antes de mais, uma homenagem a Eduardo Lourenço. A própria entrevista, que efectua uma revisão de alguns dos acontecimentos mais relevantes da vida do homenageado e de alguns dos temas mais importantes do seu pensamento, constitui uma muito interessante introdução à figura e à obra de Eduardo Lourenço, pelo que o leitor, por assim dizer, não-iniciado encontrará aqui uma boa ferramenta de trabalho. Para quem conhece mais ou menos bem Eduardo Lourenço, é possível que não haja em A História é a Ficção Suprema (belo e bastante lourenceano, o título, aliás!) muitas novidades. Ainda assim, Ler Eduardo Lourenço respiga duas passagens que talvez mereçam destaque especial. A primeira, narrada por José Jorge Letria, e que se reporta à Gala da Sociedade Portuguesa de Autores, realizada no Centro Cultural de Belém, e que reza assim:
«Guardei na memória um episódio dessa noite que definiu a personalidade de Eduardo Lourenço. Sendo o premiado internacional da gala o encenador e realizador francês Patrice Chéreau, recentemente falecido aos 68 anos, Eduardo Lourenço fez questão de o acompanhar nos bastidores e de traduzir para francês o que estava a passar-se no palco, para que o artista, realizador de filmes como A Rainha Margot, não se sentisse marginalizado e num ambiente estranho. O velho professor, durante mais de duas horas, generosa e solidariamente, serviu de cicerone e de intérprete a Patrice Chéreau, que muito lhe agradeceu a gentileza, embora desconhecesse a dimensão e a importância desse companheiro de circunstância. No final percebeu e ficou sensibilizado. É assim Eduardo Lourenço (p. 20)».
Patrice Chéreau (1944-2013)


A segunda nota que aqui se assinala tem a ver com uma declaração de Eduardo Lourenço acerca da sua tão importante como breve passagem pelo Brasil. E sobretudo como esse seu ano brasileiro lhe suscitou o desejo de conhecer aquilo que, só então, teve a plena consciência de que não conhecia verdadeiramente, ou seja, a Europa.
«Estive lá [na Bahia], foi uma experiência interessantíssima, mas eu não estava preparado para enfrentar esse país que foi filho da nossa História mas que é outra coisa. É outro planeta. E eu já ia muito marcado por este europeísmo quase orgânico, e depois, quando estava no Brasil, a única coisa em que eu pensava era que nunca tinha ido a Itália, estando ali a 500 quilómetros, em Montpellier. Por isso, a primeira coisa que fiz, assim quando regressei do Brasil, foi ir direito a Itália, direito a Veneza. Foi um dos grandes momentos de encontro com a velha Europa, com aquilo que ela tem de mais extraordinário e mais sublime» (p. 30).