segunda-feira, 23 de setembro de 2013

António Ramos Rosa (17 de Outubro de 1924 - 23 de Setembro de 2013)*

António Ramos Rosa
A palavra que é suprema nomeação sem a poder ser totalmente, que pede e suporta a metamorfose permanente que a tira da morte para a vida, é um dos nomes da Poesia. Aquela através da qual Ramos Rosa nos fala e se fala, para dizer e se apropriar o que de algum modo já está aí e misteriosamente nos escapa, é sem dúvida uma, senão a mais explícita das nossas palavras poéticas conscientes dessa intrínseca precariedade. Mas exactamente por isso aquela que primeiro também, com consciente e perseverante destino, buscou, e busca, para si mesma, a estrutura de cristal que a subtraia, senão à morte, pelo menos à sombra com que ela embacia tudo quanto toca. Assim, a sua poesia inteira é o lugar de um confronto entre os poderes e os sortilégios de uma Ausência indesarmável e de uma Presença apaziguante e inesgotável, conjuntamente investida das miragens supremas da luz e da Terra. Na aparência, é esta dialéctica a mais clássica e por assim dizer o coração perene de toda a lírica. Na verdade, a Ausência tem na visão de Ramos Rosa uma função e uma estrutura original. Ela não é nem metafísica, como Pessoa, nem psicológica como em Régio, nem ideológica como no neo-realismo. É a simples sombra, mas dura, persistente sombra, que nasce dos pés da própria Realidade, da presença comum e excessiva do mais simples objecto.

*Primeiro parágrafo do capítulo Poética e Poesia de Ramos Rosa ou o Excesso do Real do livro de Eduardo Lourenço Tempo e Poesia, Porto, Editorial Inova, 1974. Este capítulo reproduz quase integralmente o prefácio do livro de Ramos Rosa  Não posso adiar o coração, Lisboa, Plátano, 1974.