segunda-feira, 27 de maio de 2013

Pensar Nove Décadas de Amizade (nº 80): Anselmo Borges*

Anselmo Borges


Respondo, com imenso gosto, ao convite para participar nesta homenagem ao Professor Eduardo Lourenço, contando dois episódios. 
1. Participámos no Encontro de Lisboa, organizado pelo GOL (era então Grão-Mestre António Reis) e subordinado ao tema “Religiões, Violência e Razão”. E diz-me Eduardo Lourenço mais ou menos assim: se o meu avô me visse aqui!... 
E, a abrir o Encontro, falou da estranha crise contemporânea. Enquanto o Ocidente se desertifica de Deus, noutras culturas não só não há morte de Deus como, em vez da laicização, continuam na sua Idade Média, acreditando que o seu Deus é o verdadeiro e o Ocidente está em vias de perdição. De facto, o Ocidente teve um dinamismo incomparável, e a razão disso é que o seu debate foi sempre à volta de Deus. Noutras culturas, Deus é um dado e está no centro de tudo; no Ocidente, Deus tem sido uma interpelação infinita. Deus não é uma evidência, porque não é um objecto. Deus é o nome, precisamente enquanto anti-nome, da nossa incapacidade de captar o Absoluto, o modo de designarmos a nossa incapacidade de ocuparmos o seu lugar. O Ocidente é a procura e o debate à volta desta questão. É-se contra a objectivação de Deus, porque Deus-pessoa não é objectivável. Deste modo, o Ocidente afirma-se como procura da liberdade. Quando, noutras culturas, se dá a pretensão de apoderar-se de Deus, temos fanatismo. E continuou, dizendo que, quando se dogmatiza, é para dominar. A perspectiva cristã caminha sobre outro chão. Aqui, Deus aparece como não violência, como puro amor, como espaço de liberdade absoluta. Sem Ele, as nossas liberdades não têm lugar. Ao revelar-se como amor, Deus mostra que, se a violência é o estado natural, a não violência é que é o mistério, e o que liberta é o não poder. 
2. De outra vez, vínhamos, já tarde na noite, do Casino da Figueira para o hotel. E eu disse-lhe que o tinha citado, pois dissera ao EXPRESSO que lhe pode acontecer rezar. E ele: admira-se? Todo o ser humano reza. 
Fica aqui, Professor Eduardo Lourenço, a expressão da minha mais viva estima e sincera admiração. 

*Anselmo Borges.
Padre e Professor de Filosofia na Universidade de Coimbra 
Texto inédito gentilmente enviado pelo Autor para Ler Eduardo Lourenço.