sexta-feira, 17 de maio de 2013

Pensar Nove Décadas de Amizade (nº 53): Manuel Carmelo Rosa*


 Eduardo Lourenço (Caricatura de Mário Braga para o Livro de Curso)


Quando em 2002 Eduardo Lourenço passou a administrador não executivo da Fundação Gulbenkian tive o enorme privilégio de poder passar, por dever de ofício, a contactá-lo com regularidade e a beneficiar, em circunstâncias menos formais, do brilho ímpar da sua inteligência e da sua cultura que dele fazem o reconhecido grande pensador português da actualidade. E esta posição de relevo que assume na cultura portuguesa resulta no facto de, justamente, ser um representante, altamente qualificado, dos dons que asseguram o fulgor, o prestígio e o mérito da cultura europeia que predomina, desde há séculos, no mundo ocidental.
Mas a figura e o nome de Eduardo Lourenço está ligado à minha memória desde há muitos anos, pelo facto de ter sido condiscípulo do meu pai no curso universitário (Ciências Histórico-Filosóficas) que ambos concluíram na década de 40 na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e de terem juntos, nesse período de vida em Coimbra, partilhado experiências académicas.
Uma outra circunstância reforça a sua presença precoce na minha memória: o facto de entre 1946 e 1953 ter sido assistente do Doutor Joaquim de Carvalho, ilustre Mestre da Universidade de Coimbra, figura destacada da Academia e por quem o meu pai tinha uma admiração e um respeito intelectual e cívico inigualável, o que o tornava, aos meus olhos de criança, em resultado das múltiplas referências e exemplos de vida que me eram transmitidos, uma figura excepcional. Ora Eduardo Lourenço tinha tido com ele, durante cerca de sete anos, uma relação de estreita proximidade e dele tinha merecido a confiança de ter sido escolhido para seu assistente. Tornava-se, por este facto, numa ocasião muito precoce da minha vida, uma referência importante que olhava com admiração, ainda ele estava a iniciar o seu fulgurante percurso de grande pensador da realidade cultural e científica portuguesa e sobretudo europeia.
Com o passar do tempo fui registando a forte presença de Eduardo Lourenço em muitos dos momentos mais importantes da história da cultura portuguesa e a forma impressiva como marcou a minha geração e as que se lhe seguiram. Não é aqui ocasião para particularizar esses momentos em que encontrámos uma voz independente e não-alinhada, que tantas vezes ajudou a agitar o panorama profundamente cinzento do regime autoritário em que vivemos até 74 ou participando, antes e depois da Revolução, em movimentos que procuram marcar rupturas e criar novos caminhos na cultura em Portugal.
Por vontade de Eduardo Lourenço está em curso a publicação da sua Obra Completa, na Série Cultura Portuguesa do Plano de Edições da Fundação Gulbenkian, de que já foi publicado o primeiro volume e de que se encontram em estado adiantado de preparação mais dois volumes. Enquanto for vontade de Eduardo Lourenço prosseguir com este projecto, cuja complexidade é enorme, manterei o privilégio de encontros regulares com esta figura maior da nossa cultura, a quem tanto devemos, que continuará a não alinhar em ortodoxias e a procurar, constantemente (é assinalável a vitalidade com que Eduardo Lourenço responde a todos os convites, o que revela que os anos não passam por ele), novos rumos e novos desafios para a cultura em Portugal e na Europa.


*Manuel Carmelo Rosa
Director do Serviço de Educação e Bolsas da Fundação Calouste Gulbenkian.
Texto inédito gentilmente enviado pelo Autor para Ler Eduardo Lourenço.