quinta-feira, 16 de maio de 2013

Pensar Nove Décadas de Amizade (nº 44): Carlos Leone*


Carlos Leone


Na cultura portuguesa contemporânea não há ninguém como Eduardo Lourenço. Não importa a delimitação dessa contemporaneidade, seja como século XX, Portugal republicano, a democracia pós-25 de Abril ou o Portugal europeu actual, que fez esquecer o aviso de O Labirinto da Saudade de que teria de ser entre o Minho e o Guadiana que teríamos de resolver os nossos problemas. A singularidade de Eduardo Lourenço faz-se entre, e por vezes até apesar, das múltiplas proximidades intelectuais e pessoais que a sua Obra – e o Autor dela – construiu ao longo de sete décadas de trabalho contínuo. É um estatuto que, ainda há não muitos anos, vi descrito como «o Sérgio do actual regime». Percebe-se a intenção, mas fica curta e sobretudo distante: o Portugal de hoje não é o que Sérgio viveu, não há termos de verdadeira comparação, nem sequer de analogia. E, claro, Eduardo Lourenço não se confunde com Sérgio, numa cuidadosa diferenciação que basta frequentar os textos de um e outro para notar sem dificuldade.

Português auto-exilado de um país propenso a partidas involuntárias, pensador da sua sociedade sem empenho em aceder aos seus poderes, crítico dos equívocos que envolvem escolhas que também são as suas, Eduardo Lourenço e a sua reflexão são celebrados há pelo menos 30 anos. Não por prematura entronização – em que trono? – mas por nas páginas que escreve ser quase sempre legível um processo de maturação do pensamento que evidencia o efeito do tempo na acção e na reflexão que, como indivíduos ou como colectivos, vivemos. A influência magistral que exerce nos estudos literários é em muito manifestação dessa pulsão metafísica que não se confinou, muito pelo contrário, na Ficção ou na Poesia. Mas, como a reedição (e não apenas republicação) das suas obras actualmente em curso demonstra, essa singularidade não é menos sensível nem menos original nos seus escritos sociais e políticos. Os 90 anos serão – espero – tão só mais um pretexto para a celebrar, celebração de um desejo de vida longa e infatigável ao autor de O Fascismo Nunca Existiu.



*Carlos Leone
Escritor, Professor Universitário e Investigador.
Texto inédito gentilmente enviado pelo Autor para Ler Eduardo Lourenço.