quarta-feira, 15 de maio de 2013

Pensar Nove Décadas de Amizade (nº 37): Jacinto do Prado Coelho*



Jacinto do Prado Coelho

Se me pedissem que enunciasse o que, no livro de Eduardo Lourenço [Pessoa Revisitado (1973)], considero pontos susceptíveis de discussão, aduziria, entre outros, os seguintes: 1.º) a va­lorização excessiva do aspecto confessional da obra pessoana, e que deixa na sombra a parte da invenção; 2.º) consequentemente, a ênfase posta no inconsciente com prejuízo do que nessa obra é voluntarismo, lúcida iniciativa, jogo (e não estará aqui, afinal, um dos sinto­mas da sua original modernidade?); 3.º) a concentração do olhar do crítico no psicológico individual (e mesmo anormal), quando uma das chaves capitais para a compreensão do poeta é o contexto histórico (social, sociocul­tural) – pecha que, aliás, confere à leitura de Eduardo Lourenço um carácter “humanista”, muito mais tradicional do que as páginas iniciais deixariam prever; 4.º) atitude projec­tiva de entusiasmo (a reflectir-se num estilo caudaloso, metafórico, dramatizante, não raro superlativante), que chega a aliciar-nos para interpretações que me pa­recem forçadas ou arbitrárias (…).

Se algumas tendências ou pressupostos nos separam, em muita coisa Eduardo Lourenço me seduz, ou escla­rece, ou confirma – e por isso não deixo de estranhar que tanta dificuldade revele em ler-me correctamente. Esquecendo o propósito limitado que me determinou em Diversidade e Unidade, não curando de situar cada uma das minhas frases numa etapa de um processo metódico de pesquisa (servindo-se até da remota primeira edição do meu estudo quando dele já saíra uma quarta edição!), atribui-me, como, aliás, Casais Monteiro, uma atitude acusatória e um mal-estar de moralista perante Fernando Pessoa, o que francamente me faz sorrir.



*Jacinto do Prado Coelho (Lisboa, 1920 - 1984).
Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Ensaísta.
O texto que aqui se reproduz é um excerto de Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa, Lisboa, Editorial Verbo, 1979, 6ª edição, pp. 235-237.