quinta-feira, 14 de junho de 2012

Para Saramago*

 José Saramago e Eduardo Lourenço
(foto de Augusto Cabrita, Bruxelas, 1991)
Nenhuma Cassandra podia vaticinar que a geração da Utopia que foi a de José Saramago encontraria, entre estes muros lembrados do império perdido, a sua capela ardente e maravilhosamente imperfeita.
A realidade superou a ficcção. Mas só o fez porque, antes, a ficção, os sonhos de papel de um poeta filho da terra e da sua transcendência, converteu as suas fábulas em fábulas de ninguém e de toda a gente. os muros sem norte desta casa que a capital do País achou por bem conceder ao romancista que pôs o nome da sua terra no ecrã literário do mundo são o rosário de contos que o nosso fabulista-mor consagrou à sua musa Blimunda e ao numeroso séquito que a acompanhará para sempre.
Com Saramago entra nesta casa uma geração que desejou de olhos abertos, se não mudar o mundo, torná-lo digno de ser salvo da sua irredenta inumanidade. Cada um à sua maneira, Jorge de Sena, Vergílio Ferreira, Agustina, traz a sua luminosa sombra para fazer companhia ao autor de Memorial do Convento e de Todos os Nomes. Cada autor digno de memória resume a literatura do povo a que pertence e do mundo inteiro.
Que ao menos aí sejamos a chama da única pátria que os ventos da História não apagam da nossa memória precária.
Vence, 12 de Junho de 2012
*Mensagem enviada por Eduardo Lourenço por ocasião da abertura da Fundação José Saramago na Casa dos Bicos em Lisboa e publicada em Diário de Notícias de 13 de Junho de 2012, p. 50. Cf. também http://josesaramago.org/292010.html