quarta-feira, 13 de junho de 2012

Finalmente Sociólogo?

Eduardo Lourenço (à direita) com o seu amigo Vergílio Ferreira numa época da pré-história da Sociologia em Portugal

Acaba de chegar às mão de Ler Eduardo Lourenço o muito interessante livro de Rita Ribeiro, A Europa na Identidade Nacional (Porto, Afrontamento, 2011). Trata-se de uma versão revista da Dissertação de Doutoramento em Sociologia defendida pela autora na Universidade do Minho em Setembro de 2008. Nas referências teóricas mobilizadas por  A Europa na Identidade Nacional destaca-se o ensaísmo de Eduardo Lourenço, designadamente algumas das suas reflexões acerca da cultura portuguesa e do seu diálogo (ou falta dele) com a Europa. Aliás, o prefácio do livro foi redigido por Maria Manuel Baptista que, como é sabido, tem dedicado grande parte da sua investigação académica ao estudo de Eduardo Lourenço e que não deixa de frisar a marca do ensaísta no trabalho que apresenta, designadamente através do conceito de hiper-identidade da cultura portuguesa.

O justíssimo relevo que é concedido por Rita Ribeiro ao autor de A Europa Desencantada não pode, nos nossos dias, surpreender quem quer que seja. Ainda assim, esse facto não deixa de ser sintomático de que alguma coisa talvez tenha mudado no reino epistemológico da Sociologia. A tal ponto que é aceitável que se recorra agora (finalmente?) às teses de um ensaísta cuja obra chegou, em tempos não muito distantes, a ser caracterizada como tendo uma «função profética [que], como é sabido, pertence ao domínio do sagrado e é incontrolável. Por sua vez a função analítica (psicanálise, psicologia, sociologia, antropologia) pertence ao domínio controlável da ciência» [José Veiga Torres, Revista Crítica de Ciências Sociais, nº 2, Coimbra, Setembro de 1978, p. 132]. Esta má vontade manifestada por sociólogos profissionais (e outros exemplos, inclusivamente de sociólogos mais célebres,  se poderiam dar...) em relação aos livros de Eduardo Lourenço talvez nunca tenha preocupado demasiadamente o ensaísta. Mas não há dúvida que ela decorria de alguns equívocos, ao que parece agora (definitivamente?) removidos.
Sobre este tópico talvez valha a pena recuperar até um parágrafo do estudo “Situação do Existencialismo”, publicado pela primeira vez em 1954 (!!!), ou seja, em plena pré-história da sociologia portuguesa, e que o leitor pode reencontrar no primeiro volume das suas Obras Completas, «Não temos outro remédio senão enquadrar a intenção que nos move dentro de uma preocupação geralmente qualificada de sociológica. Mas fazemo-lo sob certas reservas, a primeira das quais é a de atribuir um sentido e um alcance à explicação sociológica que poucos sociólogos estariam dispostos a admitir. Como se verá, a questão resume-‑se, em suma, em denegar à sociologia o carácter de ciência, relegando-a para aquilo que ela de resto nunca deixou de ser, como todas as chamadas “ciências do espírito”, isto é, Retórica, “discurso verosímil” à antiga e sábia maneira aristotélica. Os cultivadores dessas famosas “ciências do espírito” imaginar-se-ão mais pobres por não se suporem “científicos”, mas os seus estudos só serão sérios quando forem menos sérios do que eles os imaginam» [Heterodoxias, Lisboa, Gulbenkian, 2011, p. 230] .
A genuína satisfação que Ler Eduardo Lourenço agora testemunha pela publicação de A Europa na Identidade Nacional não se ressente minimamente por causa de um pormenor que talvez mereça uma levíssima reserva. Assim, quando se refere ao problema da chamada filosofia portuguesa, Rita Ribeiro afirma que «os nomes que se associaram ao Movimento da Filosofia Portuguesa constituíam a nata da intelligentsia nacional com aprovação e reconhecimento por parte do regime [Estado Novo]» [p. 90]. É, sem dúvida, uma tese discutível (para não dizer empiricamente refutável ou não controlável, se se preferir usar o jargão de um certo sociologismo) e que, porventura, desagradará quer aos adeptos do Movimento, quer aos ... defensores do próprio Estado Novo. Mas esse é assunto para discutir em outra ocasião, naturalmente.