terça-feira, 12 de abril de 2011

Limites da leitura ou desleitura sem limites?


Ler Eduardo Lourenço apresenta hoje um exemplo-limite do que possa ser uma desleitura de Eduardo Lourenço. Perguntará o leitor, e com toda a pertinência: como definir o lugar a partir do qual se determina onde acaba uma leitura e começa uma desleitura? Não será qualquer leitura, por assim dizer, ventriloquada por uma desleitura? Ou seja, ler não significa desde logo e inevitavelmente desler? Os limites da leitura ou os limites da interpretação (e não é talvez da mesma coisa que nos dois casos se trata) constitui um tema já clássico no campo da tradição hermenêutica (bíblica, jurídica, etc), da filosofia e dos estudos literários e não é, com certeza, este o local adequado para prosseguir essa aparentemente interminável discussão.
O assunto talvez seja outro, portanto. Em Julho de 2001, Eduardo Lourenço publica na revista Visão um ensaio de duas páginas com o título “O naufrágio do PS”. Para quem acompanha o percurso do ensaísta, nada existe de estranho quer no texto, quer no nome que ele lhe dá. Situado desde sempre numa área política relativamente próxima da do Partido Socialista, Eduardo Lourenço nem por isso evitou lançar as críticas que muito bem entendeu quer à estratégia, quer à acção dos dirigentes do PS. Sem querer fazer agora nenhuma desleitura ilegítima, não deixa de ser curioso que, nos últimos meses (porventura, anos), o ensaísta tenha mantido um silêncio quase total acerca das últimas peripécias (chame-se-lhe assim, para simplificar) da vida política portuguesa. Como ler este silêncio (apenas interrompido muito esporadicamente, como foi o caso da subscrição do texto assinado pelas 47 personalidades de que aqui se fez eco nos últimos dias), se é que a expressão pode ter algum sentido? Mas é preciso voltar dez anos atrás e reler o referido naufrágio do PS.




À primeira vista, nada tem de especialmente relevante este artigo de análise política de Eduardo Lourenço, semelhante a tantos outros que, desde do 25 de Abril, tem vindo a publicar na nossa imprensa. Quanto a este ponto, o leitor que decida – aliás, como sempre. No entanto, alguns dias depois, na revista DNA que, nessa época, se publicava juntamente com a edição de sábado do Diário de Notícias, alguém menos atento era surpreendido com a página que a seguir se apresenta:





Vagamente inspirada em algumas metodologias surrealistas, a leitura (será este o termo adequado?) que Carlos Oliveira Santos faz de “O naufrágio do PS” parece ignorar, de forma deliberada, as regras mínimas de uma ética da interpretação. [Por exemplo: como citar este texto? Quem é o seu autor? Eduardo Lourenço? Carlos Oliveira Santos? As dúvidas não param...]. Esse não é com certeza o menor e o menos divertido dos seus (poucos? muitos?) méritos. No fundo, tudo se passa como se fosse possível levar até aos limites mais inesperados e inauditos o poder da (des)leitura. Mas, pergunta-se, quando se tropeça, por exemplo, numa frase segundo a qual «Eduardo Lourenço tem dedicado toda a sua vida a desvendar criticamente os mistérios da identidade portuguesa» (e esta citação é, obviamente, inventada por Ler Eduardo Lourenço, pelo que se ela corresponder, nem que seja aproximadamente, a uma qualquer declaração efectivamente feita por alguém, tratar-se-á apenas de mera e absoluta coincidência!), não será esta ainda uma maior desleitura? E, no entanto, há desleituras que provocam mais escândalo do que outras. Depois de Carlos Oliveira Santos, todas as leituras e desleituras parecem possíveis. E de facto são. Por muito que isso possa irritar os guardiões dos limites da leitura, categoria a que este blog, pelo menos a partir de hoje, deixa de poder aspirar.