segunda-feira, 21 de março de 2011

Correspondente de Arte de "O Comércio do Porto" (nº 3): o que seria um filosofismo pseudo-moderno em e para o 57?

Ler Eduardo Lourenço volta à correspondência com Costa Barreto existente no Acervo do ensaísta. Em postal enviado de Valbom-Gondomar, a 27 de Maio de 1957, o responsável pelo suplemento “Cultura e Arte” de O Comércio do Porto não deixa de se referir a aspectos editoriais da colaboração do seu Correspondente de Arte (cf. números anteriores desta série). Para além disso informa Eduardo Lourenço sobre alguns episódios na vida cultural e literária portuguesa, nalguns casos tratando-se quase de pura má lingua, como se pode ver na imagem que a seguir se reproduz da frente e do verso do postal.









Contudo, Costa Barreto acrescenta a este postal um segundo e longo post scriptum em que dá conta ao amigo da estreia «de um jornal literário intitulado 57 e dirigido pelo António Quadros (a capelinha do A. Ribeiro)». Com efeito, nesse mesmo mês saiu o primeiro número de 57, publicação que se viria a tornar de certo modo emblemática da chamada filosofia portuguesa. Recorde-se que o 57 (folha independente de cultura como a si mesmo se designava) irá ter onze números (um deles duplo), o último dos quais será publicado em Junho de 1962. Ora, logo nessa edição inaugural, Eduardo Lourenço merece honras de referência e é acerca dela que Costa Barreto, amigavelmente, informa o seu amigo e correspondente.








A que se deve essa referência? Precisamente ao número de “Cultura e Arte” dedicado à figura e ao pensamento de Sampaio Bruno, o qual contou com a colaboração, entre outros, de ... Eduardo Lourenço, com o artigo “Nota a uma apologia de Sampaio Bruno” [Suplemento Cultura e Arte de O Comércio do Porto, Porto, 29/I/1957, pp. 5-6]. Trata-se de um texto, que, de acordo com o previsto, será incluído no primeiro volume das Obras Completas de Eduardo Lourenço, e em que, a propósito de uma antologia do pensador portuense organizada por Álvaro Ribeiro [Sampaio (Bruno), Prefácio e selecção de Álvaro Ribeiro, Ed. S. N. I., 1947], se alude, por exemplo, à «insólita atitude espiritual» do prefaciador que, recorde-se, foi também o autor de O Problema da Filosofia Portuguesa (1943). Ler Eduardo Lourenço não pretende aqui reproduzir os termos de uma discussão que, nessa altura, provocou alguma ressonância e de que ainda hoje por vezes se ouvem alguns ecos. Ainda assim, não deixa de manifestar alguma perplexidade em relação ao que possa ser o filosofismo pseudo-moderno de Eduardo Lourenço, expressão usada pelo articulista anónimo do 57 que, deste modo, visa aparentemente desqualificar a “Nota a uma apologia”. Os companheiros de página (com  excepção de José Marinho, cujo texto é elogiado pelo 57) de Eduardo Lourenço, a saber, Agostinho Veloso (e o seu racionalismo escolástico), Vieira de Almeida (universitarismo anedótico), Joel Serrão (enciclopedismo francês [sic]), Delfim Santos (intelectualismo universitário) também não são, por assim dizer, poupados. Mas se as sumárias classificações que lhe são dirigidas podem ser inadequadas (e é talvez o minímo que se pode dizer acerca delas!), pelo menos são inteligíveis. Já em relação ao que possa ser qualquer coisa como um filosofismo pseudo-moderno, não parece ser tão fácil descortinar o seu significado. Saberão os visitantes deste blog de que coisa se trata? Ler Eduardo Lourenço aceita e agradece sugestões hermenêuticas para tão enigmática expressão, ao mesmo tempo que reproduz a capa e o artigo dessa histórica estreia do 57. Será isto suficiente para remover um «fortíssimo obstáculo à apreensão de um pensamento radicado em categorias nacionais» [sic]? Talvez não, mas que custa tentar?







No entanto, há também que ser justo e, por isso, Ler Eduardo Lourenço não pode omitir que, no nº 5 do 57, saído em Setembro de 1958, aparece uma outra (e última, aliás) referência ao autor de Heterodoxia. E, desta vez, não se menciona o seu (entretanto desparecido ou superado?)  filosofismo pseudo-moderno. Pelo contrário, agora lamenta-se, num artigo, também ele não assinado e com o título “Agostinho da Silva e a emigração dos intelectuais portugueses” (cf. em baixo) que Eduardo Lourenço seja o caso «de um outro valor [que] acaba de partir, desta vez para a Baía», naquilo que o jornal considera ser um verdadeiro suicídio mental do país.



Todas as reproduções do jornal 57 foram retiradas de http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/OBRAS/57/57.htm